Em plena era da Inteligência Artificial, um terço das empresas brasileiras ainda gerencia suas vendas com planilhas do Excel. O dado alarmante faz parte da primeira pesquisa nacional dedicada exclusivamente à pré-venda no Brasil, realizada pela Receita Previsível em parceria com a Academia Rapport. Com mais de mil respondentes, o levantamento expõe uma dura realidade: a falta de profissionalização e estrutura adequada em um setor decisivo para o crescimento dos negócios.

A área de pré-vendas, que antecede o fechamento comercial e envolve a qualificação de leads, ganha cada vez mais relevância em um mercado competitivo, mas ainda é tratada de forma improvisada. Segundo o estudo, 31% das empresas operam com sistemas caseiros ou planilhas em vez de plataformas profissionais de CRM. 

“Encontrar um terço das operações rodando em planilhas é como descobrir que hospitais ainda usam fichas de papel para controlar cirurgias. Mostra o quanto esse mercado precisa amadurecer”, afirma Thiago Muniz, CEO da Receita Previsível e professor da FGV.

IA mal aproveitada reduz conversão pela metade

Apesar do avanço das ferramentas baseadas em Inteligência Artificial, a maioria das empresas ainda as utiliza de forma amadora. Dos respondentes, 65% já adotam IA no processo de prospecção, mas 77% são autodidatas e 55% usam apenas versões gratuitas. Apenas 10% investem em soluções pagas.

A diferença no resultado é clara: empresas que utilizam IA profissionalmente convertem 36% dos leads em vendas qualificadas, enquanto as que usam de forma amadora ficam em 17%. O número de profissionais que convertem mais de 50% dos leads também é mais que o dobro entre os que pagam por soluções.

“Vemos aqui o mesmo padrão de imaturidade: quem mais precisa de estruturação é quem menos investe em capacitação. A IA pode ser o divisor de águas, mas só se tratada com a seriedade que merece”, complementa Muniz.

Falta de autonomia trava decisões comerciais

Outro entrave é a burocracia. Apenas 26% das equipes de pré-venda têm autonomia total para decidir onde investir. Para 31%, as decisões dependem do CEO e, para 23%, do diretor comercial. Em 19% dos casos, os próprios times sequer controlam o orçamento.

O dado mais curioso vem das empresas onde o RH aprova os investimentos – uma minoria de 2% – que, por outro lado, são as que mais investem em tecnologia: 63% destinam mais de R$ 3.500,00 por mês para soluções de inteligência comercial.

“É um círculo vicioso: quem mais precisa de agilidade nas decisões é quem menos tem autonomia. Isso retarda inovações e frustra equipes que poderiam entregar resultados superiores”, observa o executivo.

Diferenças regionais e setoriais evidenciam desigualdade estrutural

A pesquisa também aponta uma desigualdade entre regiões e setores. O Norte concentra o maior número médio de profissionais por operação (5), enquanto o Nordeste tem os times mais enxutos (2,8). No Sudeste estão as empresas com maior faturamento médio, acima de R$ 4,8 milhões por mês.

Setorialmente, as empresas de tecnologia destinam quase metade dos seus recursos a softwares, enquanto Saúde e Educação priorizam treinamento. Já setores como Agro, Jurídico e Construção Civil ainda investem pouco em digitalização.

Orçamentos mal direcionados e futuro em construção

Apesar do avanço em alguns segmentos, mais da metade dos orçamentos ainda é destinada a bonificações, e não à tecnologia. Em contraste, empresas que envolvem o RH no processo tendem a distribuir melhor os recursos, com foco em eventos e ações de employer branding.

Para Muniz, o mercado de pré-vendas no Brasil está em transição. “As empresas que superarem os entraves tecnológicos, ganharem autonomia e estruturarem processos com mais profissionalismo estarão em vantagem. O mercado brasileiro de pré-vendas não é mais uma promessa, é uma realidade em busca de excelência”, conclui.