Embora a redução das taxas cobradas por aplicativos de entrega represente uma possível vantagem competitiva para os operadores do setor, a disputa por preços esconde um efeito colateral relevante: o aumento da concorrência por entregadores, agravando um problema já crônico no food service — a dificuldade de atrair e reter mão de obra.
O novo perfil dos trabalhadores, em especial da Geração Z, traz expectativas diferentes em relação ao trabalho. Mais do que remuneração, esse público valoriza flexibilidade, autonomia e poder de escolha.
As plataformas de delivery compreenderam esse movimento e passaram a estruturar suas operações de forma a oferecer essas condições. Empresas como a Meituan, que está iniciando operação no Brasil, e o retorno da Rappi e da 99 Food, chegam ao mercado com estratégias agressivas, como a isenção temporária de taxas para estabelecimentos e, principalmente, com modelos operacionais centrados na autonomia dos entregadores — com ganhos diários ou semanais, liberdade para definir horários e acesso facilitado à remuneração.
O iFood, por exemplo, já vinha adotando iniciativas nessa direção. Entregadores da plataforma recebem, em média, R$ 23 líquidos por hora — valor quase três vezes superior à hora do salário mínimo vigente —, além de poderem acessar o pagamento várias vezes ao longo do mês, sem estarem vinculados a um único dia fixo de repasse. A isso se somam benefícios adicionais como seguro, assistência em saúde e programas educacionais.
Esse tipo de modelo responde diretamente às expectativas da nova geração — e vem ganhando espaço.
Para bares e restaurantes, esse cenário representa um desafio estratégico: competir pela força de trabalho com empresas que oferecem um modelo percebido como mais aderente ao estilo de vida dos profissionais.
Como aponta Flavia Maia, Board Member e responsável por Gente e Gestão do Grupo Alife Nino: “Hoje, os bares e restaurantes não competem só entre si. Competem com o Uber, com o iFood e agora, novamente, com a 99 Food.”
A competição não apenas se intensificou — ela também se sofisticou. A expansão de players de entrega está acelerando a abertura de novas vagas para entregadores, o que aumenta a demanda por profissionais e intensifica a disputa por talentos. Para muitos, trabalhar como entregador torna-se uma alternativa mais atraente em comparação a empregos tradicionais no food service.
Grande parte desses profissionais, aliás, vem justamente do setor de alimentação. Historicamente uma porta de entrada para o mercado de trabalho formal, bares e restaurantes hoje perdem espaço para modelos mais flexíveis. A percepção de valor também mudou: não se trata apenas de quanto se ganha, mas de como e quando se tem acesso à remuneração. Se um trabalhador pode receber várias vezes ao longo do mês, com controle sobre seus horários e jornada, torna-se mais difícil justificar a rigidez do modelo tradicional.
A alta rotatividade nas equipes, especialmente entre jovens, reflete essa mudança. Muitos estabelecimentos ainda mantêm práticas que não dialogam com o que os profissionais esperam em termos de autonomia e retorno imediato.
Nesse contexto, o setor precisa evoluir. Já existem soluções tecnológicas que permitem oferecer mais flexibilidade sem comprometer o vínculo formal ou a segurança jurídica. Pagamentos sob demanda, por exemplo, permitem que os colaboradores acessem parte do salário já trabalhado sempre que necessário. A mesma lógica pode ser aplicada a gorjetas, bonificações e horas extras — desde que associadas ao cumprimento da jornada.
Trata-se de uma mudança de paradigma. Reter talentos exige mais do que oferecer salários competitivos — é preciso estruturar formas de pagamento e gestão mais alinhadas às expectativas atuais.
Como afirma Paulo Bittelman, CEO & Co-founder do Grupo Le Jazz, associado ANR: “O setor precisa encontrar novas formas de se tornar mais atrativo. A gente precisa se adaptar à nova geração. E quando ficamos sabendo da solução de pagamento da Quansa, pensamos em como ninguém inventou isso antes. Nos pareceu uma solução óbvia para nos adaptarmos aos novos desafios de atração e retenção de talentos dessa geração.”
O cenário aponta para um novo tipo de concorrência. A atenção do setor deve se voltar, cada vez mais, à valorização da força de trabalho — com práticas que garantam não apenas contratação, mas permanência qualificada. O desafio da mão de obra não é novo, mas está ganhando novas dimensões.
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